Muito se discute a nível nacional e mundial acerca da ação paralela do tráfico de drogas e a preocupação com o combate é generalizada. É certo que estes crimes devem ser contidos pelo Estado, mas isso não pode ser feito as custas da violação dos direitos dos cidadãos menos favorecidos e a base de flagrantes forjados.
Inicialmente, deve-se considerar que, enquanto o tráfico de drogas é “problema de polícia”, por assim dizer em uma linguagem mais simplista, o segundo é questão de saúde pública. O usuário de drogas não deve ser tratado como bandido, pois não o é, é pessoa doente que precisa de ajuda médica e não de cárcere.
E afirmar isso não significa, propriamente, abrigar ou passar a mão na cabeça do usuário. Pelo contrário, ter o usuário de drogas como um cidadão que necessita de cuidados é dar a ele uma segunda chance e controlar o problema geral na sua nascente, já que o usuário é sim a raiz do tráfico de drogas e o que o mantém.
Neste sentido, grande passo deu a nova legislação brasileira acerca das drogas, porém, algumas classes incumbidas na repressão destes crimes insistem em tratar o dependente químico como se bandido fosse e, muitas vezes, forjam flagrantes para incriminar, em sua maioria, os menos favorecidos, plantando drogas ou até mesmo aumentando a quantidade apreendida junto do usuário para que ele seja preso como traficante. Todavia, não é o cárcere que irá reabilitar este cidadão.
E a estas situações denominamos flagrante forjado.
A legislação processual penal admite a figura do flagrante preparado ou provocado, que é aquele em que se parte de uma suspeita de crimes anteriores, como por exemplo, quando o empregador, desconfiado da existência de subtração reiterada de dinheiro em seu substabelecimento, chama a polícia e na presença desta, facilita uma subtração, ao mesmo tempo em que esta será impedida pela prisão em flagrante delito.
Todavia, o flagrante forjado, aqui discutido, é rechaçado pela legislação e pela maioria da doutrina, bem como pela jurisprudência, pois nesta situação o crime sequer existe ou existiu, aqui é criada uma situação para incriminar determinada pessoa.
Com grande maestria o mestre Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal, 4ª edição, página 402) fala do assunto:“Há ainda algumas situações diferentes das que vimos de analisar até agora, e que poderão gerar conseqüência igualmente diversas. A primeira é a do flagrante forjado, em que não existe qualquer situação de flagrante e nem de prática de qualquer infração, ao menos no momento em que se pretende vê-lo realizado. Ocorre, via de regra, diante de suposta criminalidade habitual, quando os agentes policiais plantam , isto é, forjam a prova de um crime atual para incriminar determinada pessoa. Evidentemente, a única conseqüência jurídica que se pode extrair de semelhante manobra é a punição de seus idealizadores e executores, por manifesta violação de direito”. E continua o ilustre jurista “A segunda hipótese, e arriscaríamos dizer que tenha sido ela a situação imaginada pela doutrina para a elaboração da doutrina da impossibilidade de consumação do fato, seria quase idêntica àquelas exemplificadas como do flagrante provocado, mas com uma relevante distinção: a preparação do flagrante não partiria da existência de crimes anteriores e nem de suspeita da respectiva autoria. Aqui, a preparação do flagrante teria como destinatário pessoa previamente escolhida pelo agente provocador, com a única intenção de imputar a ela as graves conseqüências que resultam da responsabilidade penal, mediante a criação (ou preparação) de situação extremamente favorável a prática do ilícito.”
É através da figura do flagrante forjado que os responsáveis por prender traficantes plantam drogas junto de usuários para que estes sejam levados a prisão, quando deveriam, de acordo com a legislação atual, providenciar para que a estes fosse aplicado o artigo 28 da lei 11.343/2006.
E o mais lamentável é que, na maioria dos casos, estes flagrantes não são forjados contra usuários de drogas com um padrão social mais elevado. Pelo contrário, estas situações são vistas em casos de flagrantes de usuários hipossuficientes.
Não sabemos se esta situação se dá porque, em sua maioria, os usuários de classe mais favorecidas são mais instruídos e detém maior poder para contratar bons advogados ou se isto acontece em face de uma presunção geral social de que o pobre é bandido e deve estar na cadeia.
E por que isto acontece? Porque não basta mudar a legislação, a mentalidade brasileira deve ser mudada. Não basta que a legislação brasileira mude e diga que a questão das drogas é problema de saúde pública, o pensar de quem enfrenta estas situações diariamente é que deve mudar.
Fonte: www.tezaniadvocacia.com.br/site/artigos/os-usuarios-de-drogas-hipossuficientes-e-o-flagrante-forjado
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