segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

A judicialização do direito à saúde e as novas limitações imposta pelo STF

É fato que há um grande volume de ações em face do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) o qual se pleiteia o direito a saúde, fornecimento de medicamentos, internações e tratamento médico. Tais ações na maioria das vezes são julgadas procedentes, sendo quase uma exceção a improcedência.
O embasamento jurídico para as referidas demandas encontram-se previsão na Constituição Federal nos artigos 6º e 196, e na Lei 8.080/90 que regula sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), nos artigos 2º, 6º, inciso I, alínea, “d”, e o artigo 7º, inciso I, II, ao estabelecer que:

CF. Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Federal.
CF. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Lei 8.080/90. Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Lei 8.080/90. Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I – a execução de ações: d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
Lei 8.080/90. Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e dos serviços privados contratados ou convencionados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos só níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.

Pelo texto legal acima descrito, é indiscutível a garantia a todas as pessoas ao direito à saúde. Nesse sentido os Tribunais Superiores tem manifestado que:

"A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos de Estado voltados para homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e urgência da situação do recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição de República nos artigos 6º e 196. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, Ag. n. 238.328-RS, Rel. Min. Marcao Aurélio, DJ de 11.05.1999; STJ, Resp n. 249.026-PR, Rel. Min. José Delgado, DL de 26.06.2000). Fonte: 2ª Câmara de Direito Público, TJSP, Apelação Cível nº 450.452.5/8-00, Voto nº 10.337. GN

O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera constitucional de sua atuação de plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir , ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, cuja integralidade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal) – politicas sociais e econômicas que visem garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República. (RE 271 286/RS). Fonte: 1ª Câmara de Direito Público, TJSP, Apelação Cível nº 579.728 5/3-00, Voto nº 5796. GN

A garantia legal ao direito à saúde, somado a consolidação dos entendimentos nos Tribunais, fez com que o número de demandas contra o Estado aumentasse consideravelmente. Logicamente que diversos outros fatores contribuíram para a judicialização da saúde, como a crise econômica, pessoas desempregadas, alto custo dos planos de saúde, entre outros.
No mais, cabe destacar que nem sempre o Estado cumpre as decisões judiciais. A discussão judicial muitas vezes se estende até ao Superior Tribunal de Justiça e/ou Supremo Tribunal Federal, para análise de temas pontuais que tem por objetivo de alguma forma por fim a demanda. Abaixo segue alguns temas que não foram acatados pelos Tribunais:

> Tema do Estado (1): Necessidade de divisão de responsabilidades (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Entendimento consolidado dos tribunais: Responsabilidade é solidário do Estado;

> Tema do Estado (2): Proibição de Denunciação da lide à União: Entendimento consolidado dos tribunais: Responsabilidade Solidária do Estado;

> Tema do Estado (3): Impossibilidade do Poder Judiciário decidir sobre mérito administrativo na adoção de conduta médica (Art. 2º da Constituição Federal). Entendimento consolidado dos tribunais: Se a administração não cumpre a sua obrigação de assegurar ao necessitado de assistência a tutela integral prevista na Lei Maior, incumbe ao Poder Judiciário garantí-la;

> Tema do Estado (4): Necessidade de nova avaliação a realizado por médico. Entendimento consolidado dos tribunais: Uma vez realizado avaliação médica não há necessidade de submeter a pessoa a novas avaliações.

> Tema do Estado (5): Impossibilidade de multa diária. Entendimento consolidado dos tribunais: Normas de processo civil não fazem distinção entre particular e o poder público – pode a fazenda pública voltar-se contra o causador;

> Tema do Estado (6): Necessidade de troca de medicamento, por medicamento fornecido pela rede pública de saúde. Entendimento consolidado dos tribunais: Não comprovado que o medicamento indicado pela administração pública tem a mesma eficácia não há motivo plausível para realizar troca. Deve a administração pública comprovar a eficácia do medicamento indicado.
Além das decisões desfavoráveis ao Estado, oportuno destacar a decisão do Superior Tribunal e Justiça no Recurso Especial Repetitivo nº 1.657/156/RJ (Tema nº 106).

O Recurso Especial Repetitivo nº 1.657/156/RJ (Tema nº 106), que versa sobre a “obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria nº 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais)”, foi julgado pelo C. Superior Tribunal de Justiça em 24/04/2018, com publicação no Diário Judicial Eletrônico em 04/05/2018, senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA FORNECIMENTO. (…) A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos dos SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento (...)” (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018.

Face o exposto acima, é possível concluir que diversas foram as teses do Estado para tentar limitar o acesso a saúde pública, mas somente no ano de 2018 com o julgamento do recursos especial repetitivo (tema nº 106 do STJ) houve efetivamente uma restrição aos direito à saúde, vez que há necessidade de preenchimento de requisitos cumulativos.

Diante dessa decisão, cabe ao profissional do direito atentar-se aos requisitos estabelecidos pelo STJ para não ser surpreendido com uma decisão de improcedência da ação.

31/12/2018

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