quarta-feira, 24 de março de 2010

SUS e DESCENTRALIZAÇÃO

José Jairo Gomes
Procurador da República em Minas Gerais

O presente trabalho tem por objeto refletir sobre a seguinte indagação : Como concretizar a descentralização do SUS ?
Desde logo, convém trazer à baila o artigo 198 da Carta Política, que assim dispõe: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (...)”
O Sistema Único de Saúde – SUS deve ser descentralizado, como expressamente prevê a Constituição Federal.
A Descentralização não significa outra coisa senão “a transferência de atribuições em maior ou menor número dos órgãos centrais para os órgãos locais ou para pessoas físicas ou jurídicas. Centralização é a convergência de atribuições, em maior ou menor número, para órgãos centrais.” (JÚNIOR, J. Cretella. Comentários à Constituição – 1988. v. VIII. 1ª ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1993. pág. 4.346)
Nada obstante sua descentralização, o sistema é um só, podendo ser definido como “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestado por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS.”, dispõe o artigo 4º, caput, da Lei nº 8.080/90.
Com a descentralização pretende-se que os pacientes sejam tratados no local mesmo em que vivem. É dizer : nos seus municípios. A idéia, portanto, é evitar que as pessoas façam grandes deslocamentos no afã de realizarem tratamentos de saúde.
O interesse local, portanto, há de prevalecer na concretização da descentralização.
Aliás, o artigo 30, VII da Constituição reza que ao município compete “ prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviço de atendimento à saúde da população.”
Não é, portanto, sem razão que a NOAS 1/2001 dispõe que o Plano Diretor de Regionalização, no que diz respeito à assistência à saúde, deverá ser elaborado - pela Secretaria de Estado da Saúde - na perspectiva de garantir “ o acesso aos cidadãos, o mais próximo possível de sua residência, a um conjunto de ações e serviços [mínimos] (...)”(item 3-
A”).
A Norma Operacional Básica – NOB 1/96 facultava ao município habilitar-se em um dos seguintes tipos básicos de gestão : a) gestão plena de atenção básica, b) gestão plena do sistema municipal. Para se habilitar em um ou outro desses tipos de gestão tinha o município de atender a certos requisitos e assumir certas responsabilidades, conforme se vê nos itens 15.1.1, 15.1.2, 15.2.1 e 15.2.2 daquela NOB.
A habilitação num desses tipos de gestão proporcionava ao município o gozo de certas prerrogativas (itens 15.1.3 e 15.2.3), dentre as quais destaca-se a assunção da gestão da saúde no seu território - com todas as implicações políticas daí advindas - e a transferência automática de recursos financeiros oriundos do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal.
Dispõe a NOB 1/96 (item 15, caput) que os municípios que “ não aderirem ao processo de habilitação permanecem, para efeito desta Norma Operacional, na condição de prestadores de serviços ao Sistema, cabendo ao Estado a gestão do SUS naquele território municipal, enquanto for mantida a situação de não-habilitado.”
Vê-se, assim, que, na perspectiva da citada NOB, o município não era compelido a aderir ao sistema. Contudo, se não o fizesse, não gozaria das prerrogativas especificadas e perderia a gestão da saúde no seu território, fato este grave do ponto de vista político.
A Portaria MS nº 95, de 26/01/2001, instituiu a Norma Operacional da Assistência à Saúde/SUS – NOAS-SUS nº 01/2001. Esta, já na sua introdução, reconhece que : “ Ao final do ano de 2000, a habilitação nas condições de gestão previstas na NOB-SUS 01/96 atingia mais de 99% do total de municípios do país (...)”.
Seguindo a linha da concretização da descentralização, a NOAS preconiza o aprofundamento desse processo, ampliando-se a regionalização do sistema. Prevê-se a implementação de um Plano Diretor de Regionalização, a ser elaborado pelas Secretarias Estaduais de Saúde. Cria-se a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada – GPABA, sendo que várias outras estratégias mínimas de atuação são acrescentadas como condição de habilitação nesse tipo gestão. Define-se as Microregiões e um conjunto de procedimentos de média complexidade como referência intermunicipal.
Observe-se que a NOAS 1/2001 estabelece dois tipos de gestão para habilitação dos municípios, a saber : a) Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, e, b) Gestão Plena Municipal.
Para ambas, há também a previsão de requisitos para a habilitação, bem assim de responsabilidades e prerrogativas, conforme já especificado anteriormente (v. itens 46, 47 e 48 da NOAS 1/2001).
Da mesma forma que na NOB 1/96, o município não habilitado em uma das gestões previstas terá a administração da saúde no seu território transferida para a esfera do gestor estadual (NOAS 1/2001 - item 46.2).
E, uma vez mais, também não há nenhum dispositivo que compila o município a aderir ao sistema, habilitando-se num dos tipos previstos de gestão e, dessa forma, contribuindo para a ampliação da descentralização. Ao fim e ao cabo, pode-se concluir que a implantação efetiva do SUS com a conseqüente concretização da descentralização preconizada na Constituição Federal está à mercê da vontade política dos governantes, já que se trata de decisão a ser tomada no nível
político e, pois, de cunho discricionário, já que entre nós impera o sistema federativo.
Face à autonomia reconhecida aos entes federados (daí decorrendo a inexistência de hierarquia e, pois, de subordinação entre eles), particularmente aos municípios, não se apresenta viável nem legítimo sejam eles compelidos a se habilitarem num dos tipos de gestão proporcionados pelo SUS, já que qualquer determinação nesse sentido não se afiguraria constitucional e, portanto, careceria de legitimidade.
Assim, reconhecendo-se que manter-se à margem do SUS representaria, na verdade, um retrocesso para o município - já que ele restaria alijado do processo de administração daquele que configura um dos interesses mais básicos dos munícipes - o único processo que se vislumbra viável para ser empregado na busca da efetivação da descentralização do SUS seria o de convencimento das autoridades municipais.
Contudo, à vista da consideração de que a discricionariedade não é absoluta, mas algo regrada, recusando-se o gestor municipal a prestar serviços de saúde que, em tese, seriam da competência desse nível de governo, tanto o cidadão quanto o Ministério Público poderiam valer-se de medidas judiciais - pontuais - a fim de que o município seja compelido a assumir as responsabilidades que a Constituição Federal lhe outorgou na seara da saúde pública.

Um comentário:

  1. Dr. Aurélio José Pavani, OAB/SP 312.182 – Advogado – Escritório de Advocacia AJP – Cel. (14) 98123-1460 ou (11) 98480-0853 – Advogado Correspondente – Ourinhos/SP, Canitar/SP, Chavantes/SP, Ipaussu/SP, Santa Cruz do Rio Pardo/SP, Bernardino de Campos/SP, Avaré/SP, Cerqueira Cesar/SP, Salto Grande/SP, Palmital/SP, Ribeirão do Sul/SP, Campos Novos Paulista/SP, Ocauçu/SP, Manduri/SP, São Pedro do Turvo/SP, etc. Trabalhos: Audiências, cópias de processos, protocolos, teses, etc. Direito Penal, Civil, Consumidor, Cobranças, Família, Tributário, Bancário, etc.

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